O cancelamento do Carnaval, por causa da pandemia do novo coronavírus, causou impacto nos blocos tradicionais do Pará. Com a proibição de ganhar as ruas, organizadores da folia sentiram o baque, mas buscam alternativas para manter, mesmo que timidamente, as atividades durante os dias de momo, com desflies reduzidos e lives solidárias.
Um deles é o “Pretinhos do Mangue”, de Curuçá, no nordeste do Estado e que, até o ano passado, arrastava milhares de foliões pelas ruas da cidade. Antes do tradicional desfile, e à tarde, os foliões começavam a chegar no porto Pretinhos do Mangue. Lá fica o mangue de onde os brincantes retiram, da natureza, seu “abadá”: a lama. Crianças, jovens e pessoas idosas passam lama por todo o corpo. Era uma grande diversão.
Depois de pintar o corpo no barro preto do manguezal, os foliões seguiam em arrastão de 1,5 quilômetro pela cidade, pela travessa 7 de Setembro, onde ocorre a evolução do desfile, até a praça Coronel Horácio. Presidente do grupo, Edmilson Campos, o "Cafá, diz que o bloco, que em 2021 completa 32 anos, é um genuíno representante do município de Curuçá, onde o povo se identifica com os elementos que ele traz para os desfiles, como, por exemplo, os carros alegóricos. “‘O Caranguejo’ e ‘O Guará’, as esculturas de garças e guarás, a fofoca de mariscos e peixe assado (comida típica do município), a caipirinha, além da lama do mangue. E, por ser do mangue que o povo Curuçaense tira seu sustento, é que o bloco traduz a importância do mangue como identidade cultural dos curuçaenses”, afirmou.
Em 2020, morreram 60 pessoas de covid em Curuçá. E, este ano, em 23 dias, morreram mais três pessoas
Este ano, e no domingo de Carnaval, o bloco fará um desfile com apenas dez brincantes. “Vamos fazer um vídeo com apenas 10 pessoas com máscaras e uma homenagem aos três integrantes do bloco que perderam a vida para a covid 19”, contou. Um deles, seu Antônio, o “Kepp”, desfilando carregando caranguejos. Também no domingo, o bloco irá plantar 63 mudas de árvores referente ao número de mortos em Curuçá. “O Carnaval fará muita falta para a cultura paraense e curuçaense, pois representa o nosso município e nosso estado lá fora. Não só os Pretinhos do Mangue”, disse Rondi.
“É muito melhor não termos Carnaval este ano e poder vir a vacina e salvar vidas. Já perdemos muitas pessoas”, disse. “Em 2020, morreram 60 pessoas. E, este ano, em 23 dias, morreram mais três pessoas em Curuçá”, contou. Apesar do aumento do número dos casos, Cafá disse que muitas pessoas não estão adotando as devidas medidas sanitárias, como usar máscaras. Em outubro, lembrou, as pessoas já começam a ligar para a cidade para alugar casas e reservar vagas em hotéis e pousadas.
“A economia do município cresce muito antes, durante e depois do Carnaval”, contou. Cafá disse que tem que gente que, com o que ganha no Carnaval, consegue se manter por cinco meses. “Não tendo Carnaval, a economia perde muito. Perde o comerciante, feirante, o pessoal do mercado municipal, os que alugam casas, os donos de hotéis, pousadas e restaurantes”, explicou. Durante a programação de domingo, o “Pretinhos do Mangue” também vai falar um pouco sobre pandemia e suas consequências. “Mas respeitando as regras da saúde. Vamos ter 10 brincantes e fazer um vídeo. Estamos pensando em fazer uma live. Vamos ressaltar nesse vídeo a importância da máscara, de lavar as mãos, do distanciamento. O cuidado com a gente e com o próximo pra que a gente possa vencer a pandemia”, contou.
Bonita manifestação cultural, Boi Faceiro não sairá às ruas de São Caetano de Odivelas
Uma das mais bonitas manifestações culturais do Pará, o arrastão do Boi Faceiro também não sairá às ruas de São Caetano de Odivelas. É o mais tradicional arrastão de boi de máscaras do Carnaval do município, também localizado no nordeste paraense. E, no Carnaval da cidade, ele se apresenta desde 2006, objetivando fomentar a participação dos bois de máscaras no Carnaval local e, desse modo, dar uma singularidade à folia em São Caetano de Odivelas. Tem elementos de festa junina e de Carnaval, o que dá um colorido especial à folia.
Coordenador do Boi Faceiro, Rondi Palha disse que o arrastão se propõe a misturar elementos e personagens da cultura popular dos bois de máscaras, como os ‘pirrôs’ mascarados (também chamados de palhaços) e os cabeçudos, com a irreverência e a democracia do movimento do Carnaval. O Boi de Máscaras de São Caetano é o único do Brasil conduzido por duas pessoas, explicou Rondi. É que o boi pesa 80 quilos. São duas pessoas que o conduzem também para dar a ideia de ser um animal de verdade, com quatro patas. No total, seis pessoas carregam o boi, revezando-se. São três duplas.
Mas, este ano, a alegria cedeu lugar a incertezas. “A gente está percebendo o vazio da programação. Todo mundo meio perdido, sem saber o que fazer. Os grupos estão vendo apodrecer o material, as fantasias, o curimbó (instrumento musicial)”, disse Rondi. “Não há atividade. Não há remuneração, que é bem pouca, mas ajuda a manter a manifestação. Os músicos tinham os seus cachês, mas isso não vai acontecer. Os artesãos produziam e reformavam as fantasias. Impacto para a cidade e para as próprias manifestações”, afirmou.
“Depois, o risco de perda de identidade das pessoas continuarem se identificando com a manifestação como algo de cultura popular. Estamos vivendo processo de patrimonialização do boi de máscara, batalhando para tornar patrimônio imaterial cultural do Estado”, afirmou. “Os grupos estão totalmente inertes. Pessoas da cidade perguntam se vamos fazer alguma coisa. Em um primeiro momento, não há algo que motive os grupos a fazer qualquer atividade que seja”, contou. Ou seja, o poder público ainda não se manifestou sobre o assunto.
“A gente, como Faceiro, está aproveitando o momento para arrumar o espaço, tentando revitalizar o nosso espaço, para melhorar a visitação, mas faltam recursos para esse tipo de ação”, contou. Esse espaço é a casa que fica na travessa Antônio Baltazar Monteiro, no centro da cidade, em frente à casa de Mestre Bené, já falecido e de quem Rondi é neto. A casa é um ponto de visitação e onde são guardados os materiais do Boi Faceiro.
Rondi explicou que o Carnaval dos bois de máscaras de São Caetano de Odivelas não é voltado para as massas. “É um Carnaval de identificação, um Carnaval raiz, um Carnaval bem tradicional”, contou. O arrastão do Boi Faceiro seria realizado na terça-feira, 16. E, no domingo, 14, seria o arrastão do Boi Tinga e da Vaca Velha. No sábado (13), arrastão do Faceiro Jr, voltado para o público infantil. Mas, este ano, não haverá esses arrastões. Até agora, nem live está sendo programada. E talvez, também, esse formato não seja o ideal para manter essa bela manifestação. “Pra quem faz o boi de máscara, o bacana é a questão da rua, essa troca, essa sociabilização das pessoas poderem estar juntos, sentir energia um do outro”, afirmou.
Tradicional bloco de Vigia optou em não fazer live para evitar aglomeração
O Carnaval, em Vigia, outra cidade localizada no nordeste paraense, também sempre foi muito animado e atraía milhares de foliões de várias regiões do Estado, incluindo Belém. São famosos e divertidos os blocos em que homens saem fantasiados de mulheres e as mulheres, de homens. Representante do bloco "As Virgienses", Pedro Palheta comentou sobre a não realização do Carnaval. “Decidimos não fazer lives, por conta da responsabilidade que nós temos com nossos foliões”, disse. “Você fala em Carnaval de Vigia, você fala nas Virgienses na segunda-feira. São 36 anos de tradição que completamos. Mas, infelizmente, por conta da covid, a gente não vai poder estar na rua. É triste, ruim. Mas entendemos que, neste momento, é melhor a gente preservar os nossos brincantes, para que, ano que vem, se Deus quiser, possamos estar juntos deles, fazendo aquela festa, aquela retomada, que é o sonho de todo mundo”, completou.
Ainda segundo Pedro, o não fazer livre não quer dizer que o bloco não está preparando alguma coisa para as redes sociais para a segunda-feira, dia em que haveria o desfile. “Não vamos fazer qualquer tipo de live por conta dos decretos (municipal e estadual) para evitar aglomeração”, disse Pedro.
Fonte: Dilson Pimentel/OLiberal