Um levantamento nacional do Conselho Federal de Farmácia (CFF) mostrou que o Brasil teve um aumento geral de 17% nas vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor, após o início da pandemia de covid-19. De todos os estados, o Pará foi o quinto com maior crescimento desse consumo de medicações psiquiátricas: 25% a mais na comparação entre 2020 e 2019. O crescimento estadual médio é de 5% a cada ano.
O farmacêutico Walter Jorge João, presidente do CFF e conselheiro federal pelo Pará, ressalta que a pandemia impôs o isolamento social, que impactou brasileiros, tão conhecidos pela expansividade, pela alegria e pela fé. Ficar trancado em casa, sob o impacto da crise econômica, ressalta ele, fez aflorarem sentimentos como o medo e a solidão, que acabaram levando a problemas como insônia, depressão e ansiedade. Isso aconteceu no mundo todo.
Walter observa que os medicamentos pesquisados são
comercializados sob um rígido controle da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). A venda é feita com apresentação de prescrição médica,
retenção da primeira via da receita e mediante lançamento no Sistema Nacional
de Gerenciamento de Produtos Controlados, o SNGPC.
"Considerando que os medicamentos são controlados, o aumento estaria
relacionado a um crescimento no número de pacientes com adoecimento mental e ao
diagnóstico dessas doenças. E o grande desafio seria garantir o melhor
custo-benefício dos tratamentos, com o diagnóstico correto pelo médico e o uso
seguro e racional, acompanhado pelo farmacêutico. Porém, é preciso analisar
outros aspectos. Um deles é que vivemos em uma sociedade culturalmente marcada
pela tendência à medicalização", analisa o presidente do CFF.
O farmacêutico critica o comportamento frequente de uso de medicamentos para
tentar sanar problemas do convívio social. O isolamento expôs pessoas a
situações de estresse muito extremas que podem, sim, ter efeitos sobre a saúde
mental e adoecimento. "Nem toda alteração no sono, nem todo sentimento de
tristeza ou solidão, ou mesmo o estresse gerado pela exposição ao risco, no
caso dos trabalhadores da saúde e das atividades essenciais, que não pararam
durante a pandemia, constituem a priori um transtorno em saúde mental passível
de ser tratado com um medicamento", pondera.
As principais preocupações no uso dos psicotrópicos,
ressalta Walter, são o autodiagnóstico e o fácil acesso aos medicamentos no
Brasil. Ele reforça ser necessário pensar também em alternativas não
farmacológicas. "Nós, enquanto farmacêuticos, devemos discutir esse
aspecto da psicoeducação. Muitos pacientes se automedicam até mesmo com
medicamentos controlados. A automedicação ocorre também modificando-se as
doses, a frequência de administração ou usando o medicamento que foi prescrito
para outra pessoa", conclui.
Outra pesquisa realizada pelo CFF, com o Instituto Datafolha, que teve como
base pessoas que usaram medicamentos nos seis meses anteriores às entrevistas,
a maioria dos brasileiros (77%) se automedica e 57% o fazem a partir de
medicamentos prescritos. A pessoa passa pelo profissional da saúde, tem um
diagnóstico, recebe uma receita, mas não usa o medicamento conforme orientado.
Outros 44% dos entrevistados que têm o hábito de se automedicar usam
medicamento sem prescrição se conhecem alguém que já usou e obteve resultado.
Para a psicóloga Rafaela Guedes, é necessário o acesso mais amplo a outras formas de tratamento, já que a medicação não é solução para os problemas sociais, relações, desafios pessoais e conjunturas política e econômica. Esses cenários dependem de soluções. O trabalho de psicólogos tem passado por ajustes, diante da impossibilidade de atender pessoalmente. Mesmo a distância, argumenta, continua sendo a forma de dar vazão às angústias, medos, incertezas, receios, sofrimentos diversos ou mesmo luto que a pandemia ou trouxe ou agravou.
"Estamos no segundo ano de pandemia. Segundo ano de perdas, privação do convívio social, de incertezas e possibilidade muito próxima e real de morte. Segundo ano de perda de entes queridos, de distanciamento e de uma má-gestão pública que favorece essas perdas e privações. São fatores que abalam nossa estrutura emocional. Quando as pessoas que estão próximas também estão passando pelo mesmo, a tendência é que essas condições se tornem mais crônicas. É uma tensão acumulada, sem vazão. Os medicamentos estabilizam até certo ponto. Sem terapia, o uso de medicamentos apenas aumenta", analisa a psicóloga.
Rafaela ressalta que alguns fatores têm dificultado o acesso da população a psicólogos, como o aumento da demanda, uma parte de descrença no atendimento a distância, custos e falta de acesso à internet com estabilidade e qualidade.
Total de vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor no Brasil
2017: 67.696.334
2018: 73.833.716 (9% a mais)
2019: 82.763.022 (12% a mais)
2020: 96.622.718 (17% a mais)
Estados com maior crescimento da compra de antidepressivos e estabilizadores de
humor em 2020
*Dados comparativos com 2019
Amazonas 389.779 (29% a mais)
Ceará 2.919.690 (29% a mais)
Maranhão 1.112.746 (27% a mais)
Roraima 90.399 (26% a mais)
Pará 1.050.478 (25% a mais)
Histórico de vendas do Pará
2017: 608.987
2018: 702.194 (15% a mais)
2019: 842.637 (20% a mais)
2020: 1.050.051 (25% a mais)
Fonte: CFF -Victor Furtado/OLiberal