Em 2020, a área sem título de exploração ou sem autorização para garimpo, no Pará, correspondia a 20,8 mil hectares, 30,4% do total da área de extração de ouro no Estado. No mesmo ano, no Brasil, mais da metade (51%) da área destinada ao garimpo se encontrava em situação ilegal. A título de comparação 1 hectare equivale à área de um campo de futebol. Os dados são de uma pesquisa premiada na quarta edição do Prêmio MapBiomas, de valorização de trabalhos que desenvolvem soluções que colaboram com políticas públicas.
De acordo com o pesquisador Bruno Antônio Manzolli, do Centro de Inteligência Territorial, os dados do levantamento indicam a falta de controle, por parte do Estado, com relação à cadeia nacional do ouro. Para chegar aos resultados do trabalho, o pesquisador cruzou a classificação do uso da terra, elaborada pelo MapBiomas, com os dados da Agência Nacional de Mineração – em particular, as áreas de garimpo identificadas no interior dos processos minerários citados na Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
Com relação ao Pará, a pesquisa identificou que é o estado que mais sofre com a expansão garimpeira, acumulando 68.366 hectares destinados ao garimpo em 2020. O cruzamento de dados minerários com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e dados da classificação do uso da terra mostra que 20,8 mil hectares de garimpo ocorrem em área com CAR, porém sem processo minerário com título de exploração (30,4%).
Ainda no Pará, 18,4 mil hectares estão em áreas sem CAR e sem processo minerário, mas em fase que autoriza a exploração (27,0%); 16,7 mil ha estão em áreas com CAR e com processo minerário, autorizando a exploração (24,4%); e 12,5 mil ha em regiões sem CAR e com processo minerário, que autoriza a exploração (18,2%).
A pesquisa chegou à conclusão de que, em todo o país, de 2010 a 2020, o garimpo expandiu sua área em 62,5 mil hectares, enquanto a mineração industrial cresceu apenas 1,5 mil hectares. Já entre 2019 e 2020, quase a metade (45%) da expansão de 1.180 hectares do garimpo ocorreu em áreas sem autorização para essa atividade. E, em 2019, 7,5% da produção nacional de ouro foi atribuída a áreas sem exploração.
Só em março de 2020, os processos minerários que permitem a exploração de ouro, seja para fins de pesquisa ou exploração comercial, englobavam uma área de 23,1 milhões de hectares (3% para lavra garimpeira; 1% para concessão de lavra; 96% para autorização de pesquisa). Porém, se fossem considerados apenas os processos minerários citados como origem do ouro no ato de recolhimento da CFEM, eles somariam uma área autorizada de 447 mil hectares, ou seja, apenas 1,9% da autorizada.
Os dados do MapBiomas, por sua vez, mostram uma realidade diferente: 97,8 mil hectares de área de extração de ouro em 2020 (5,5 mil hectares de mineração industrial e 92,3 mil hectares de garimpo). Já a área de garimpo de 45.159 hectares, ou 48,9% de toda a área de garimpo identificada no país. Isso significa que 51,1% da área de garimpo ocorrem em áreas não autorizadas, como Terras Indígenas, Unidades de Conservação de Proteção Integral e locais sem o título de lavra garimpeira vigente.
No Pará, o regime de extração de ouro que predomina é de Regime de Lavra Garimpeira (RLG), que corresponde a 82% dos processos de extração. Para o autor da pesquisa, o RLG favorece a exploração ilegal, já que as lavras podem ser facilmente usadas para “lavar o ouro”.
“Embora a lei preveja o início imediato da exploração após a publicação do título em um prazo de até 90 dias, salvo motivo justificado, das 1.615 publicações de lavra garimpeira entre 2010 e 2019, ou seja, das autorizações a exploração de ouro, 692 processos podem não ter iniciado à exploração dentro do prazo estipulado. Com isso, fica aberta uma brecha para ‘esquentar o ouro ilegal’”, explica.
Na avaliação do autor da pesquisa, a falta de dados sobre a cadeia nacional do ouro reflete o descontrole do Estado sobre a mineração de ouro, mas principalmente em relação ao garimpo. Embora seja o segundo minério mais exportado pelo país, o ouro não possui um sistema informatizado de notas fiscais que permita o cruzamento de informações entre agências para combater o avanço do crime organizado na atividade.
O estudo mostrou que quase a totalidade da mineração que ocorre atualmente em terras indígenas, de forma ilegal, é de ouro. O trabalho também abordou legalização da atividade nesses territórios – algo que esteve na pauta governamental no começo deste ano, com o PL 191/2020:
“A aprovação do PL 191/2020 pode acarretar uma nova corrida do ouro dentro das TerrasIndígenas, em busca pela primazia na exploração, e anistiar aqueles que já realizavam a exploração antes da regulamentação da mineração nesses territórios. O cerne da discussão deveria ser a elaboração de medidas de controle e fiscalização entre agências governamentais em prol de mitigar os prejuízos socioambientais da exploração ilegal de ouro no país”, escreveu Bruno em seu relatório.
FONTE: Camila Guimarães/OLiberal