O Pará possui cerca de 796 mil famílias em déficit habitacional, ou seja, que precisam de um lar adequado ou que estão sem ele. O número corresponde a 13,55% do total do país, dando ao estado o título de quinta unidade federativa no ranking com mais problemas. Os dados são da Fundação João Pinheiro e têm como base as informações do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que fez um levantamento sobre a qualidade das residências do Brasil. A carência no território paraense tem ganhado contornos diferentes com programas da Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab), que já beneficiou mais de 165 mil pessoas em situação de vulnerabilidade. A nível nacional, a deficiência de moradias atinge 5.876.699 famílias. O pior cenário está nas regiões Norte e Nordeste, sendo o Amapá líder em falta de casas corretas: 17,8%. Especialistas apontam que os índices podem ser muito maiores, após a crise gerada pela pandemia e o censo estar desatualizado.
O déficit habitacional é a falta de moradia e ele pode ser caracterizado de duas formas: relativo - quando o problema pode ser resolvido com uma reforma ou títulos de terras - e absoluto - exemplificado por super adensamento (como: quatro pessoas dormindo em cada cômodo), construção inadequada e falta de estruturas. Na zona rural, é comum que esse perfil seja observado em moradias improvisadas, decaídas e precárias. Já na área urbana, o padrão se dá pela concentração de uma ou mais famílias dividindo um mesmo espaço. Os problemas de lares dignos, que correspondem aos critérios de domicílios sem condição de receber habitação e com elevado custo de aluguel, são históricos e refletem ainda hoje na sociedade. Além disso, pobreza, disputas agrárias, concentração de terras e alta demanda de ocupações informais - construção de favelas - são fatores que dão destaque à região quando o assunto é déficit.
A doméstica Tereza Vasconcelos, de 48 anos, está inserida nesse contexto. Morando em uma casa de madeira na encosta do canal da travessa Quintino Bocaiúva, que corta a avenida Bernardo Sayão, no bairro do Jurunas, ela conta que as dificuldades financeiras são empecilhos para ir em busca de melhor habitação. “Eu moro aqui mesmo porque não tenho condições de morar em um lugar melhor. A gente se arrisca, mora em cima de um canal, minha casa está caindo e o poder público não olha para esse lado. A parede está caindo e o outro lado já nem tem mais. Vivemos em cima do esgoto, tem rato entrando na casa da gente… tudo isso sempre foi assim”, relata.
A divisão do espaço com os resíduos sólidos que são descartados de maneira irregular é um fato que ocasiona doenças e aumenta a vulnerabilidade socialA divisão do espaço com os resíduos sólidos que são descartados de maneira irregular é um fato que ocasiona doenças e aumenta a vulnerabilidade social (Thiago Gomes / O Liberal)
Tereza mora no mesmo local há 18 anos e conta com um agravante: o acúmulo de lixo é frequente. Ainda com a retirada dos resíduos e limpeza do canal, a população faz o descarte irregular de forma rotineira, juntando animais mortos e prejudicando a saúde da família, que sofre com algumas doenças. A suspeita é que tudo tenha relação. “A gente não vê diretamente, acha que é uma doença do dia a dia, febre, às vezes, dá uma diarréia, mas a gente pensa que é coisa normal, não que é devido a isso. Porém, acredito que seja isso, sim. Tem bicho morto aqui, fica encalhado porque tem muito entulho. As pessoas também não ajudam: semana passada limparam, eles fazem tipo uma manutenção. Custam, mas vem. Semana passada eles limparam e capinaram, mas fui olhar e já está tudo cheio de novo”, conta.
Os conflitos por terras na zona rural tem uma similaridade com a realidade que acontece nas áreas urbanas. O professor de arquitetura Juliano Ximenes, doutor em Planejamento Urbano e Regional, explica que um mecanismo bem particular usado pelas elites contribui para a perpetuação do cenário deficitário. “O Pará é o campeão no conflito de terra nas zonas rurais e você tem uma situação que não é idêntica, mas tem uma similaridade na zona urbana e isso tem a ver com uma dificuldade do acesso a terra que é histórica, não significa que não tenha terra, é um mecanismo de concentração delas, de negação, veto no acesso, esse mecanismo é operado por essa elite - concentram terras e inflacionam o preço delas, cobrando um pedágio por ser proprietário. Eles foram beneficiados com as chamadas 'terras devolutas' e essa desigualdade, no sentido de você ter tamanha concentração de patrimônio, cria distorções, principalmente no mercado”, destaca.
A pobreza, vista pelo fato de a economia do estado ser, em geral, de serviços e com indústrias de caráter extrativistas de madeira e pimenta, sem muita verticalização e pouca geração de empregos, também colabora para a manutenção das famílias em situação de vulnerabilidade social, o que acaba sendo determinante para o déficit. “Principalmente um déficit que é urbano, porque o Brasil é 84% urbano. A quantidade de pessoas morando na zona rural é pequena, na Amazônia é maior, há muito mais domício urbano que rural. Então, você tem um problema que é tipicamente urbano. Esses problemas de isolamento históricos na Amazônia, ausência de investimentos do estado em transporte, comunicação, energia, essa falta de investimento, integração espacial e transporte provoca o aumento do nosso custo de vida”, ressalta Juliano.
A época da ditadura, conforme aponta o especialista, foi quando a situação começou a ser agravada no Pará no quesito moradia. A alta concentração de renda e, em contrapartida, o aumento da pobreza, são situações vindas da política econômica implantada neste período. “E, com essa desigualdade como uma das heranças, você tem um processo de empobrecimento maior da população e migração dos centros rurais para os urbanos, porque o emprego está na zona urbana. Mas tem um processo de perpetuação dessa pobreza e durante isso, não tinha uma política de provisão de moradia que tivesse essa sensibilidade social, ao contrário”, diz Juliano.
A concentração de renda obrigou a população a migrar para áreas irregulares, sujeitas a alagamentos, deslizamentos, concentração de lixo e ocupação de terra pública. “Porque essa população só podia morar de maneira precária. Se ela não pagasse o custo do mercado para morar legalmente em algum lugar, ela moraria na rua. A população pobre ocupou a cidade irregularmente do ponto de vista jurídico, mas ela deu um jeito, ocupou o morro, etc…”, finaliza o professor.
Planejamento e programas sociais são soluções defendidas
A falta de planejamento urbano, com o crescimento da população e as dificuldades de proporcionar serviços de qualidade, como escolas e hospitais, está diretamente relacionado ao que deve ser transformado para melhorar os índices. Adriana Falconeri, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (CREA-PA), defende que a criação de programas sociais é eficaz para o problema. “No Brasil, é histórica a diferença de outros países em relação a planejamento. Um dos índices que a gente pode falar é a falta do profissional habilitado para vários serviços técnicos. Nós precisamos falar da importância dele para determinados serviços”, pondera.
A engenharia social, sistema que precisaria da ajuda de várias entidades, como prefeitura, controladorias, coordenadorias e estado, é uma solução. “Hoje nós temos, no direito, a defensoria pública, que dá os serviços gratuitos à população, e, na medicina, nós temos o SUS [Sistema Único de Saúde], que é o sistema mais completo de saúde que existe no mundo e nós não temos algo nessa linha para engenharia. Então, aquela pessoa que não tem condição para contratação do profissional, acaba tentando fazer de uma forma que não é correta”, analisa Adriana.
Fonte: Camila Azevedo/OLiberal