No Pará, de janeiro a dezembro do ano passado, 244 delitos foram registrados em templos religiosos, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), enviados na última sexta-feira (20) à Redação Integrada de O Liberal. O cenário preocupa adeptos de religiões de matrizes africanas, as principais vítimas da intolerância, de acordo com levantamento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que apontou 1,2 mil ataques contra os afrorreligiosos em 2022 - um aumento de 45% em relação a 2020.
Em março do ano passado, o terreiro de candomblé Ile Iya Omi Ase Ofa Lewa, localizado no bairro da Cidade Nova, em Ananindeua, na Grande Belém, foi alvo da ação de intolerantes religiosos. Na ocasião, enquanto realizavam um ritual de entrega de oferendas nas ruas, um vizinho do terreiro se referiu aos afrorreligiosos com termos pejorativos e chegou a jogar água suja nas entidades espirituais e até ameaçá-los com uma faca. O caso teve repercussão na mídia local e um boletim de ocorrência foi registrado na Polícia Civil.
Após quase um ano do caso, porém, o autor das agressões não foi punido. É o que conta o babalorixá Edson Catende, responsável pela denúncia. “Denunciamos na Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Homofóbicos e fomos recebidos pela delegacia para fazer o depoimento. Mas, infelizmente, até hoje não houve uma resposta efetiva por parte das autoridades. A gente vai na delegacia, registra o boletim de ocorrência, mas parece que o processo é arquivado”, diz o sacerdote.
Embora alarmantes, os dados apresentados pela Segup tiveram redução em relação ao balanço divulgado pela secretaria em novembro de 2022 e publicado em O Liberal, que apontou 697 ataques entre janeiro e outubro. A pasta informou que retificou a tabela e removeu os crimes de furto cometidos em espaços religiosos do levantamento, o que explica a queda.
Combate à impunidade
A Lei Federal Nº 14.532/2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, visa combater a impunidade contra crimes de intolerância religiosa com penas mais severas. A legislação, agora, prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. A penalidade será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa. A Polícia Civil do Pará informa que a lei já está em vigor ressalta a importância da formalização da ocorrência em qualquer unidade policial para que os casos sejam devidamente apurados.
Lideranças religiosas e advogados da área da defesa dos direitos humanos veem com bons olhos a nova lei, mas pontuam que é preciso que as autoridades garantam o cumprimento do dispositivo. “É um marco legal importante, a minha preocupação é que a gente já tinha uma legislação que garantia o direito à liberdade de crença, mas a efetivação desse direito também precisa ser observado. Acredito que a gente vai ter dias melhores no país, mas é preciso que a sociedade e os povos de terreiro também estejam lutando junto para garantir o cumprimento das políticas públicas”, afirma o babalorixá Catende, que também é advogado.
A opinião é compartilhada pelo advogado Alexandre Julião, que atua junto a movimentos sociais. “O intuito dessa nova legislação de trazer a questão religiosa é considerar que parte das pessoas vítimas de racismo ou injúria racial, sofrem de forma ligada a sua expressão religiosa. É uma lei importante, porque traz a criminalização de atos danosos, mas tem um histórico de casos que são denunciados, mas não há a condenação”, pontua.
“Acredito que, para garantir esse direito, é importante combater o racismo nas estruturas que fazem a condenação. Iniciativas institucionais como a Associação Nacional da Advocacia Negra e a parte do Conselho Nacional de Justiça que pensa as questões raciais dentro do judiciário são importantes, mas precisam ser ampliadas para a totalidade da magistratura, por exemplo”, conclui o advogado.
Manifestação
Em alusão ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado ontem (21), diversos movimentos sociais realizam um ato antirracista na Praça da República, em Belém, na manhã deste domingo (22), a partir das 10h00. A programação inclui rufar de tambor, performances e shows dos artistas João Da Hora, Edson Catende, Lojuara, Nvula Kelly, Emanuel Black, Afoxe Ita Lemi Sinavuru e outros.
Penas para o crime de intolerância religião
O que mudou?
Antes, a lei previa pena de 1 a 3 anos de reclusão. Agora, a legislação prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. A pena será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa.
Manifestação em alusão ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa
Data: domingo (22)
Hora: a partir das 10h00
Local: Pavilhão Euterpe da Praça da República
Fonte: Fernando Assunção/OLiberal