Não é apenas o território indígena dos Yanomami, em Roraima, que está sendo invadido e ocupado por garimpos ilegais. Assim como acontece com os Yanomami, que sofrem de grave crise humanitária e sanitária, pelo menos outros 13.161 indígenas que vivem em cinco territórios do Pará e do Amazonas estão ameaçados. Monitoramento feito pelo Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil, o MapBiomas, mostra que a prática do garimpo ilegal explodiu nos últimos anos, sobretudo durante o período em que Jair Bolsonaro comandou o país. Estão em situação de risco os indígenas mundurukus e kayapós, que sofrem com a exposição ao mercúrio.
As duas terras indígenas ficam no Pará. Também estão em território paraense outras três TIs ameaçadas: Sawré Muybu, Sai Cinza e Baú, de acordo com informações do Instituto Socioambiental (Isa). Os dados do MapBiomas mostram que, entre 2010 e 2020, a área de garimpos em terras indígenas cresceu 495%. Nos últimos três anos o garimpo ilegal avançou dentro de áreas indígenas no Brasil.
Apesar de estar no centro das atenções mundiais após ser constatada uma das mais graves crises humanitárias do país, a área indígena dos Yanomami não é a recordista em avanços dos garimpeiros que atuam ilegalmente na Amazônia: em primeiro lugar na quantidade de invasões está o território Kayapó, que concentrava em 2021, 11.542 hectares de garimpo ilegal. Com mais de 12 mil indígenas, o povo Kayapó, também conhecido como Mebêngôkre, habita e protege há décadas uma extensa área da Floresta Amazônica que se estende do norte de Mato Grosso ao sul do Pará.
Em segundo lugar em quantidade de invasões por garimpos ilegais está a Terra Indígena Munduruku, localizada na região sudoeste do Pará, no município de Jacareacanga, na margem direita do Rio Tapajós. O MapBiomas identificou que pelo menos 4.743 hectares dessas terras já estão ocupadas por garimpos ilegais. Finalmente, em terceiro lugar está a área dos Yanomami, que teve 1.044 hectares invadidos.
NÚMERO DE IMPACTOS PODE SER MAIOR
-Organizações que atuam na região acreditam que o número total de impactados pela atividade ilegal pode ser muito superior. “Toda população indígena é, em alguma medida, afetada pela atividade porque se trata de impactos de ordem sistêmica, que transbordam os territórios”, diz Luísa Molina, antropóloga do ISA (Instituto Socioambiental). “Pessoas que moram nos municípios em que as terras indígenas estão localizadas são atingidas pelo garimpo, por exemplo, com a ingestão de peixes contaminados pelo mercúrio”, completa a antropóloga.
-Luisa Molina afirma que o avanço das invasões de garimpeiros ilegais se deve, sobretudo, ao alinhamento político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com a atividade. “Nos últimos quatro anos, houve um empoderamento dos garimpeiros enquanto categoria. Vi naquela região pessoas falando que a proteção aos povos indígenas havia acabado”, informa a antropóloga do ISA.
O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Haroldo Pinto do Espírito Santo, que atua com povos munduruku no Pará e no Amapá, afirma que mulheres gestantes da comunidade têm se queixado de problemas decorrentes da contaminação, que afeta a fertilidade e pode deixar sequelas em bebês. De acordo com o coordenador, doenças de pele, diarreia e vômitos são constantes. “Observamos doenças de pele e coceiras entre as crianças que brincam às margens do rio Fresco, que atravessa a terra Kayapó”, afirma padre Pascal, que trabalha com esse povo desde 2015. O padre relata que há atualmente na comunidade um conflito entre lideranças que defendem a preservação de terras e aqueles indígenas que são cooptados por garimpeiros. As entidades que atuam na região amazônica denunciam a presença de organizações criminosas por trás do garimpo ilegal. “São elas que viabilizam as altíssimas despesas com logística, maquinário e fornecimento de insumos”.
FATORES
As entidades citam outros fatores que também contribuíram com o aumento do garimpo nos territórios indígenas: aumento do preço do ouro no mercado internacional; falta de transparência na cadeia produtiva do ouro; fragilização de políticas ambientais e da proteção a direitos de povos indígenas; crise econômica que impõe condições de precariedade aos trabalhadores; e inovações tecnológicas nos equipamentos de extração dos metais.
Fonte: Luiza Mello/DOL